domingo, 26 de junho de 2011

INDISCIPLINA

Em vez de agir sobre a consequência, procurar a causa

Se você sonha com uma turma atenta e motivada, a primeira mudança necessária talvez esteja em você.
O comportamento inadequado do aluno não pode ser visto como uma causa de dificuldade para lecionar. Na verdade, ele é resultado da falta de adequação no processo de ensino.
Para uma progressão reflexiva deve-se entender que a indisciplina é a transgressão de dois tipos de regra. O primeiro são as morais, construídas socialmente com base em princípios que visam o bem comum, ou seja, em princípios éticos. Por exemplo, não xingar e não bater. Sobre essas, não há discussão, elas valem para todas as escolas e em qualquer situação. O segundo tipo são as chamadas convencionais, definidas por um grupo com objetivos específicos. Aqui entram as que tratam do uso do celular e da conversa em sala de aula, por exemplo. Nesse caso, a questão não pode ser fechada. Ela necessariamente varia de escola para escola. Não é fácil destinguir entre moralidade e convenção. Frequentemente, mistura-se tudo em extensos regimentos. A situação piora se essas convenções se baseiam em permissões, proibições e castigos sem nenhum tipo de negociação. Em uma sociedade, o movimento contínuo de construção e reavaliação de regras, mais o respeito a elas, é a base de todo convívio. Assim como os conflitos nunca vão deixar de existir na vida em comunidade, no contexto escolar, especificamente, eles também não vão desaparecer. Então, saber lidar com eles faz com que você consiga trabalhar melhor.
Muitos professores esperam, sem razão, que essa formação moral seja feita 100% pela família. Mas é preciso enxergar o espaço escolar como propício para a vivência de relações interpessoais. As questões ligadas à moral e à vida em grupo devem ser tratadas como conteúdos de ensino. Caso contrário, corre-se o risco de permitir que as crianças se tornem adultos autocentrados e indisciplinados em qualquer situação, incapazes de dialogar e cooperar.
Saber como o ser humano se desenvolve moralmente é essencial para encontrar as raízes da indisciplina. Antes de entender por que precisam agir corretamente, as crianças pequenas vivem a chamada moral heterônoma, ou seja, seguem regras à risca, ditadas por terceiros, sem usar a própria consciência para reelaborá-las de acordo com a situação. Por exemplo: se elas sabem que não se deve derramar água no chão, julgam o fato um erro mesmo no caso de um acidente. Nessa fase, a autoridade é fundamental para o bom andamento das relações.
Por volta dos 9 anos, abre-se espaço para a moral autônoma, quando o respeito mútuo se sobrepõe à coação. Mas a mudança não é mágica. O cientista suíço Jean Piaget (1896-1980) questionava a possibilidade de a criança adquirir essa consciência se todo dever sempre emana de pessoas superiores. Assim, é possível dizer que a autonomia só passa a existir quando as relações entre crianças e adultos (e delas com elas mesmas) são baseadas, desde a fase heterônoma, na cooperação e no entendimento do que é ou não é moralmente aceito e por quê. Sem isso, é natural que, conforme cresçam, mais indisciplinados fiquem os alunos. A atuação inadequada em sala é outra causa da indisciplina. A autoridade do professor perante a classe só é conquistada quando ele domina o conteúdo e sabe lançar mão de estratégias eficientes para ensiná-los. Se não, como bem descreve o psicólogo austríaco Alfred Adler (1870-1937), a Educação se reduz ao ato de o aluno transcrever o que está no caderno do professor sem que nada passe pela cabeça de ambos. O resultado é o tédio. E gente entediada busca algo mais interessante para fazer, o que muitos confudem com indisciplina. A escola é, sem dúvida, a instituição do conhecimento, mas é preciso deixar espaço para a ação mental da turma.. Olhar para a sala de aula tendo como base essa concepção de indisciplina faz diferença. O trabalho exige não apenas autoreflexão, mas também formação e esforço de equipe. Para transformar o ambiente, o discurso tem de ser constante e exemplificado por ações de todos. Não há solução fácil, mas é essencial trabalhar, como conteúdos de ensino, as relacionadas à moral e ao convívio social e criar um ambiente de cooperação.

Jane Nascimento